Carne de qualidade: como será o amanhã?
por Mara Ramos
O futuro da pecuária brasileira foi o tema da Acricorte/2019, dias 9e 10 de maio em Cuiabá, MT, numa realização da Acrimat –Associação dos Criadores do Mato Grosso. De acordo com Marco Túlio Duarte Soares, o evento foi uma provocação para que o pecuarista saia da zona de conforto e comece a pensar seriamente no futuro da atividade.
Com um time de palestrantes capazes que fermentar e fomentar os novos rumos do setor – com a necessária busca por qualidade e os caminhos para perenizar os negócios – o evento contou com onze palestras, três painéis e uma plateia de 1.600pecuaristas atentos.
“Está passando da hora do produtor enxergar além da curva. É muito expressivo o movimento para buscar outras fontes de proteína no mundo todo. Mais do que nunca, temos que nos unir e pensar nosso negócio daqui a cinco ou dez anos”, afirmou Marco Túlio.
Para o presidente da entidade, que também é pecuarista, essa provocação é importante e já vem ocorrendo há tempos. “Não é de hoje que estamos atentos a isso, o Mato Grosso tem o maior rebanho do país e é o maior exportador, temos obrigação de sair na frente e agregar valor à nossa carne”, afirmou reforçando que a tecnologia genética para carne de qualidade já está disponível ao produtor há tempos.
O evento trouxe informações do que está sendo desenvolvido de maneira mais progressista no mercado em termos de manejo, nutrição, qualidade, avaliação genética, avaliação de qualidade de carne, varejo, comercialização e, o melhor, permitiu o acesso a este conhecimento. Segundo a zootécnica Liliane Suguisawa, da DGT Brasil. “A Acricorte democratizou a informação, saindo do circuito dos criadores que são realmente ávidos, que são os primeiros a testarem essas tecnologias, para aqueles que nunca pensaram e, talvez, nem tinham ideia de que isso existia, mas começam a enxergar que já está no mercado”, afirmou.
Foi unânime entre palestrantes a visão de que a pecuária de corte mudou e a palavra de ordem não é mais a quantidade de bois no pasto, mas a quantidade e qualidade de carne produzida. Também foi um discurso comum o fato de que o Brasil tem hoje 60% das florestas preservadas, teve grande evolução no processo produtivo, faz uma pecuária sustentável e, portanto, a próxima barreira é a genética do gado.
Para o professor José LuizTejon, considerado uma das maiores autoridades em marketing para o agronegócio, outra barreira é a comunicação e a necessidade urgente de uma ação articulada entre entidades e empresas para alinhar o discurso e promover a carne como o alimento saudável que é. “Atualmente o consumidor entende que a carne de qualidade deve ser consumida apenas nos finais de semana e estamos diante de uma grande oportunidade de reeducar o consumidor” afirmou. Para o pesquisador as grandes transformações ocorridas no mundo contemporâneo levam o consumidor a buscar novas opções, inclusive de alimentação. “A comunicação com o consumidor de carne deve ser educadora e constante, carne é saúde, é sabor e a carne do Mato Grosso não é para poucos, mas para todos”, afirmou já deixando um slogan de campanha publicitária e convocando a iniciativa privada a destinar parte das verbas publicitárias às ações educativas sobre os benefícios dos consumo da carne. E fez um alerta: “O Brasil registrou queda de consumo de carne de 40 para 32quilos/anos. É urgente virar esse jogo, é um deve da cadeia produtiva da carne”, enfatizou.
Novos caminhos
O professor Roberto Roça e o consultor de projetos para carnes especiais, Roberto Barcellos, definiram a carne de qualidade e puderam expor os principais gargalos da produção e do mercado. Para Roça cuidar com extremo cuidado de todo o processo produtivo é fundamental para quem quer produzir qualidade sem correr riscos de perder por deficiências de manejo. “A rastreabilidade total das fases da cadeia passa a ser responsabilidade de todos, não só do frigorífico que emite o certificado de origem, cada um tem quefazer a sua parte e bem”, destacou.
De olho no mercado, Barcellos afirmou enfaticamente a necessidade de ampliar a produção para evitar que o mercado de carne de qualidade entre em colapso. O consultor reforçou que para produzir qualidade é preciso produzir marca, porém, sem padronização não existe marca. “Raça é rastreabilidade. Nível de gordura é o que dá maciez e sabor que o consumidor deseja, a genética para o varejo já mudou e o processo de mudança continua”. Barcelos lembrou que o processo produtivo, na forma como está estruturado hoje, não dispõe de produtos para todos. “Ou o pecuarista produz commodity ou produz qualidade, a indústria frigorífica está produzindo marca de carne e por isso já melhorou a remuneração para quem produz qualidade. As carnes especiais, antes encontradas somente nas boutiques, hoje estão em gôndolas nas grandes redes de supermercado”, enfatizou.
Eduardo Pedroso, diretor executivo de originação da JBS confirma ou a firmação de Barcellos ao explicar que consumidor e produtor vem se qualificando e valorizando a qualidade, cada vez mais. “Temos hoje uma integração maior entre o produtor e a indústria para atender essa demanda crescente. Esse relacionamento ajuda a incentivar e perenizar os negócios”, afirmou.
Nas linhas como a Maturata, as carcaças que cumprem os pré-requisitos podem chegar a R$10,50 a mais por arroba, informou Pedroso. Em 2018, a marca cresceu 33% no mercado interno, fidelizando clientes das grandes redes varejistas de todo o Brasil, segundo informações da própria JBS, que comercializa mais de 2mil tonelada/mês desta linha.
Ainda sobre o tema da “Carne de Qualidade como a nova demanda da Pecuária Brasileira”, Liliane contou que a tecnologia da ultrassonografia foi testada nos EUA na década de 90 e alterou de maneira agressiva o rebanho norte americano, que aumentou a produção de carne por animal e também a qualidade. “Essa tecnologia fez com que os EUA tenha o maior valor agregado no mercado internacional do mundo. No Brasil produzimos commodity, temos animais abatidos velhos e sem gordura de acabamento, o que deixa a carne cinco vezes mais dura. A tecnologia está à disposição para que os pecuaristas possam aumentar a produção, diminuir a idade ao abate que favorece a maciez, garantir um acabamento e talvez marmoreio, para que no futuro possamos atender esse mercado internacional de carne de qualidade à pasto” afirmou.
Confirmando tendências
Para o pecuarista Celso Bevilaqua, de Alta Floresta, MT, o evento escreveu história na pecuária brasileira. “O nível dos temas e a possibilidade de integração com outros produtores foi fundamental e muito positiva. A abertura de mercado para a produção decarne de qualidade é o melhor caminho a seguir”, afirmou. Para o criador, quem não se adequar a um sistema de produção para atender às necessidades do mercado, em dez anos estará fora da atividade. Bevilaquia fez um alerta aos pequenos produtores: “Os grandes criadores vão continuar produzindo commodity, mas o pequeno, se quiser sobreviver, terá que apostar em genética, em buscar animais melhoradores para ter padrão e produzir qualidade”, disse. Para ele o mercado já não aceita quem não trabalha com inovação, com tecnologia e com técnicas de bem estar animal. Em sua opinião o setor tem assimilado bem esses conceitos.
Bem-vindos ao futuro
A consultora Andréa Veríssimo e a professora da UFRG, Márcia Dutra Barcelos protagonizaram os momentos mais contundentes do evento, com os temas “O Futuro das Proteínas: ameaças e oportunidades para a carne bovina” e “Mato Grosso, vislumbrando o mundo da carne hoje e no futuro”, as palestrantes mostraram dados reais dos novos caminhos da tecnologia no mundo e, em especial no agronegócio.
De pesquisas que buscam proteínas oriundas de insetos, aos aplicativos capazes de gerenciar e monitorar os negócios no campo, as novas tendências são irreversíveis. Segundo Andrea o Brasil ainda tem um caminho a percorrer no quesito exportação. “O mundo quer e precisa dos alimentos produzidos no Brasil, porém, só exportamos 20% do que produzimos pois ainda esbarramos em questões sanitárias. Por outro lado a projeção para2028 é que o Brasil será o país do mundo que mais vai aumentaras exportação, o que deve gerar 41% a mais de produção. Temos que nos preparar mais e mais. O caminho que o nosso agro trilhou até aqui é admirado em todo o mundo”, enfatizou.
A consultora destacou a expressiva cota de exportações do mercado halal. “O Brasil se especializou nisso e não podemos esquecer que 25% da população do mundo é muçulmana, portanto, busca esse tipo de produto. Somos o maior produtor de carne halal do mundo”, disse.
Márcia Barcelos lembrou que o mundo passa por uma grande transformação com revisões de conceitos e valores, especialmente nas questões ligadas a segurança alimentar. “O comportamento do consumidor está mudando, desperdiçamos no mundo 1/3 de tudo o que produzimos, 85% da população mundial vive nas cidades e a geração milenium está em todas as áreas, inclusive nas start ups de inovação e produção buscando substitutos para a carne a base de plantas, fungos, algas e insetos”, explicou.
Entre os fatores que influenciamos novos tempos estão os impactos ambientais, o bem estar animal, a eficiência da produção, vantagens dos substitutos da carne e pessoas dispostas a experimentar coisas novas. “Todos os mercados que atuam na cadeia da carne estão vendo esse movimento, então, vale lembrar que uma desrupção é sempre precedida de sinais, e esses são os sinais”, alertou. A professora explicou que uma desrupção pode ter sinais fracos e imperceptíveis, mas ela ocorre quando esses sinais ganham força e se convergem naturalmente.
Confraria presente
Alguns membros da Confraria Carcaça Nelore estiveram presentes na Acricorte/2019 e se animaram com a difusão, cada vez maior, das tecnologias melhoradoras da carcaça para a produção de carne de qualidade e disponibilidade desta genética para o mercado.
Formada em junho/18, a Confraria conta com 70 membros, entre pecuaristas, técnicos e jornalistas de todo o Brasil, além de Paraguai e Equador, na busca de fomento para a produção do Nelore de qualidade. O relacionamento é constante, por meio da rede social whats app e as atividades também são divulgadas mensalmente na Revista Nelore.
Membro da Confraria, o criador Paulo Wildberger apresentou na Acricorte o projeto do Circuito Baiano Nelore de Qualidade que pretende avaliarem um ano pelo menos 12,5 mil animais por ultrassonografia em busca das características ideias no Nelore Baiano, para a produção de carne de qualidade.
O circuito é uma iniciativa da ABCN e conta com o apoio de entidades como Sebrae, que estabeleceu a norma técnica para o programa. “Com essa norma criada pelo Sebrae-Bahia que disponibiliza as US de Carcaça, o modelo está disponível para qualquer Sebrae do país, por isso nosso objetivo é divulgar o projeto para ser adotado em outros estados”, informou o criador que vê no modelo do Circuito e nos programas de avaliação por US a grande saída para o pecuarista.
Para a zootecnista Liliane Suguisawa, que utiliza a tecnologia Ultrassonografia no Brasil há treze anos e também é membro da Confraria, o maior paradigma rompido nesses anos de atividades foi provar que o Nelore poderia apresentar qualidade de carcaça e carne. “A US proporcionou identificar esses indivíduos da raça Nelore, com alta característica de herdabilidade para promover aumento do ganho de peso, da conversão alimentar, da precocidade de abate, marmoreio(que confere suculência e sabor)e usar esses indivíduos para promover a mudança no padrão da carne e da raça”, disse.
Os criadores, membros da Confraria, desenvolvem projetos inovadores e alguns já tem oferta de carne de Nelore, fruto do trabalho de ultrassonografia e dos programas oficiais de melhoramento que participam. Para o grupo esse melhoramento do Nelore é necessário para que o Brasil consiga ter consistência e padrão de qualidade de carne para o mundo. Sendo assim, atuam no sentido de apresentar e divulgar a tecnologia e mostrar que o Nelore é capaz de padronizar um rebanho todo para AOL, EGS e MAR.
A dinâmica da rede social favorece a troca constante e o compartilhamento de informações. Animais que se destacam, resultados de provas, novidades sobre melhoramento genético, avanços da ultrassonografia, performances de destaque em MAR, AOL e EGS, inovações e dados em genômica e DEPs, mercado para carnes de qualidade e outros temas, fazem parte das cerca de cinquenta mensagens diárias compartilhadas.
O grupo busca fortalecer e se preparar para o crescente mercado de carne de qualidade, para o qual o Nelore tem demonstrado perfeitas condições de disputar espaço, de igual para igual, com as raças europeias.
Com o olhar à frente do seu tempo, o criador Shiro Nishimura entende esse momento como ímpar para a pecuária. “Eu consigo ter a visão do que vem pela frente e estou convicto que investir na qualidade é o melhor caminho para a pecuária brasileira”. Membro e fundador da Confraria Carcaça Nelore, Shiro é um dos maiores incentivadores dos processos de avaliação por US, tendo implantado o processo há cinco anos na sua propriedade em Jaciara, MT, alcançando resultados que comprovam a tendência.
Fonte: Mara Ramos - Revista Nelore
Fotos: Revista Nelore