Cláudio Caldas: Plantou sementes que geraram bons frutos
Cláudio Antônio Bittencourt Caldas acreditou em um ideal, em um princípio. Juntamente com os demais parceiros, ele plantou aquela semente que brotou, cresceu e proporcionou bons resultados. Caldas é um dos mais conhecidos criadores e entusiastas do Brangus no Brasil. Sua paixão foi suficiente para motivá-lo em busca do desenvolvimento da raça, a lutar por ela e pelo surgimento de uma entidade visando congregar os pecuaristas que desde o início, acreditavam no potencial daquele gado oriundo do cruzamento entre o zebuíno e o Aberdeen Angus, que inicialmente foi batizado de “Ibagé”, posteriormente “Brangus-Ibagé” e atualmente “Brangus”. Formado em Ciências Contábeis, Cláudio Caldas foi o primeiro presidente da Associação Brasileira de Brangus, durante duas gestões no período de 1979 e 1982. Nesta entrevista, publicada no jornal Brangus Repórter Nº 5, ele conta um pouco de sua história e relembra como foi fundada a entidade oficial da raça forte.
Brangus Repórter: Conte a história de sua família e de seu envolvimento com o agronegócio.
Cláudio Antônio Bittencourt Caldas: Meu pai trabalhou 40 anos no Correio do Povo, tradicional jornal gaúcho, além de fundar a escola técnica Potássio Alves em Porto Alegre. Ele era contador do jornal e primo do proprietário Breno Caldas, filho do fundador da empresa, Caldas Júnior. Minha mãe era dona de casa. Durante o dia, eu trabalhava na prefeitura de Porto Alegre entre 1960 e 1967, durante o mandato de Loureiro da Silva, considerado até hoje o melhor ou um dos melhores prefeitos da capital gaúcha. No período da noite, eu dava aula na escola técnica Potássio Alves. Em 1965, casei com uma pecuarista de Santana do Livramento/RS (fronteira com Uruguai), chamada Elisa de Souza Caldas. Vim para Livramento para cuidar das atividades junto com ela. Foi a partir daí que começou meu envolvimento com a agropecuária.
Brangus Repórter: Como foi a transição de sua área de atuação, passando da contabilidade para o campo?
Caldas: Foi um desafio. Fui estudando e aprendendo, até por gostar muito de ler. Fui me envolvendo e gostando muito. Todo início de qualquer processo, é difícil, ainda mais o de se adaptar a um novo meio até então, desconhecido para mim. No entanto, com dedicação, estudo e envolvimento, aos poucos, fui me adaptando e gostando da atividade rural.
Brangus Repórter: E como o Brangus surgiu em sua vida?
Caldas: Na fazenda herdada por minha esposa, havia um gado Aberdeen Angus. Percebi que estes animais tinham como características, o porte pequeno e pêlo comprido. Precisávamos avantajar o porte dos animais. Não buscava animais grandes, mas sim de tamanho médio, além da busca pela redução do tamanho do pêlo para amenizar o grande problema que enfrentávamos que era o carrapato. Naquela época existiam poucas opções de medicamentos para combater o carrapato. O jeito era diminuir o comprimento da pelagem do gado. A partir destas necessidades, surgiu o interesse em se fazer o cruzamento daquele gado Angus com Zebu. Com base na Lei de Mendel, percebi o ótimo resultado desta prática. Naquela época, fazer este cruzamento não era algo bem visto em nossa região, tanto que era motivo inclusive de sermos vistos de maneira diferente por parte dos demais pecuaristas “puristas e tradicionais”. No entanto, notei que o cruzamento proporcionaria o melhoramento daquelas questões de porte e pêlo. Selecionando os produtos, fiz os acasalamentos que resultaram em exemplares ½, ¼ e 5/8 Angus. O plantel Angus era de boa qualidade, formado por animais com e sem registro, adquiridos de tradicionais criatórios locais. Um touro muito utilizado na formação do plantel Angus da Estância Santa Rita, foi o “Menelik 2”, um filho do primeiro macho Angus registrado no Brasil em setembro de 1906, importado do Uruguai por Leonardo Collares Sobrinho de Bagé/RS, chamado “Menelik”.
Para fazer os cruzamentos, procurei touros Nelore no Mato Grosso e em Minas Gerais. Além da utilização de touro Nelore, também fizemos inseminação artificial (IA), pois na Estância Santa Rita, a IA é feita a mais de 50 anos.
Brangus Repórter: Foi desta forma que iniciou a formação do rebanho Brangus na Cabanha Santa Rita?
Caldas: Com os nascimentos dos primeiros animais ½ sangue, pedi a um professor e engenheiro, chamado Mário Bittencourt, elaborar todo o esquema de cruzamento e formação de uma raça que até então ninguém criava. Em princípio, eu desconhecia o projeto que a Embrapa estava desenvolvendo da Fazenda Cinco Cruzes em Bagé/RS. Inicialmente, mesmo utilizando touros Nelore, anos depois, com a possibilidade de se utilizar genética Brahman, importei dos Estados Unidos, sêmen de um touro oriundo do grande berço mundial desta raça, que é o rancho Hudgins, que desenvolveu a famosa linhagem “manso”. Mais tarde, formei uma família com base Nelore e outra família com base Brahman. Em minha opinião, o que deu mais certo foi quando fiz o cruzamento entre ambas as linhagens. Ao fazer o meio sangue com Brahman, obtive animais com excelente qualidade de carcaça e cobertura de carne. Na fêmea 1/2 sangue Angus/Brahman, utilizei animais de genética Nelore, o que resultava em produtos ¾ zebu. Estas fêmeas posteriormente foram acasaladas com Angus, resultando na formação do meu plantel “Brangus” ou “Brangus Ibagé” ou simplesmente “Ibagé”. Nesta época, os demais pecuaristas “me olhavam atravessado”, por eu estar fazendo algo incomum.
Brangus Repórter: Na Cabanha Santa Rita, quais foram e são os seus critérios de seleção?
Caldas: Sempre buscamos utilizar os melhores touros em inseminação artificial. Agora estamos iniciando um trabalho na cidade de Glorinha/RS, onde deveremos impulsionar ainda mais nosso trabalho de aprimoramento genético. Escolhemos os animais jovens através de uma pressão de seleção, aliando características raciais, sexuais e de conformação, sempre buscando melhorar, logicamente.
Brangus Repórter: Qual a importância do Brangus em sua vida?
Caldas: Depois da minha família, acho que é tudo! Sou um eterno entusiasta da raça.
Brangus Repórter: Como surgiu o interesse e o projeto de fundação de uma associação para o Brangus (Ibagé)?
Caldas: No final da década de 70, conversei com o pesquisador Joal Bazzale Leal, que na época era diretor geral da Embrapa de Bagé/RS. Falei a ele, que tínhamos que fundar uma associação. Lembro-me como se fosse hoje, quando ele disse a mim: “Temos que colocar o bloco na rua”. Em assembléia realizada na Embrapa, coordenada pelo próprio Joal, em 26 de janeiro de 1979, foi fundada a Associação Brasileira de Ibagé (ABI), quando fui indicado pelos demais participantes, como o primeiro presidente da entidade. A partir daí, surgiu o impasse para o registro da ABI junto ao Ministério da Agricultura. Nesta época o Brasil estava no regime militar, sendo João Figueiredo, o presidente do país. Era muito difícil registrar uma associação. Estive em Brasília, acompanhando meu filho Claudio Souza Caldas em um campeonato de equitação. O presidente João Figueiredo, tinha uma grande paixão por cavalos e também praticava equitação. Por conta disso, ele nos convidou para uma visita à Granja do Torto, onde tivemos uma conversa informal sobre equitação e cavalos. Um dia antes, sem sucesso, eu havia ido ao Ministério para tentar viabilizar o registro da ABI. Ao chegar à granja, me alertaram que o assunto permitido era somente cavalos e equitação. No entanto, o presidente me deu de três a cinco minutos para falar a respeito da associação e “encerrar o assunto”. Expliquei a questão e ele foi direto ao me dizer: “Pegue suas botas e pode colocar o pé na porta e entrar no gabinete, caso você não seja atendido pelo Ministro da Agricultura” (Ângelo Amaury Stabile). Não foi necessário “empurrar” a porta, pois fui atendido pelo Ministro normalmente, que lá estava no meu aguardo. Em 26 de maio de 1981, o secretário nacional de Produção Agropecuária, Paulo de Souza, assinou a portaria que concedeu à ABI, a inscrição de nº 44 no cadastro geral do Ministério da Agricultura. O fato marcou o início da minha segunda gestão. Estava fundada e registrada a Associação Brasileira de Ibagé.
Brangus Repórter: Após a fundação da ABI, como foi o comportamento da primeira diretoria de uma entidade responsável por uma raça nova e “desconhecida” frente aos desafios que surgiram?
Caldas: Quando assumi a associação, éramos poucos sócios. Durante minhas duas gestões, não se cobrava nada de nenhum sócio. A receita financeira era pequena, pois não tínhamos anuidades e sim, colaborações daquele grupo de entusiastas. Quando o Ibagé começou a participar das exposições, eram os próprios sócios que contribuíam para que pudéssemos ter os prêmios para os campeões. Por conta disto, tínhamos dificuldades, mas com o amor e a vontade de avançar, aos poucos fomos superando as barreiras, até por sabermos do potencial daquele gado que estávamos defendendo. Os desafios eram grandes, afinal, tínhamos uma responsabilidade no desenvolvimento de uma nova raça. Buscar sua expansão, mas sem deixar de levar em conta a necessidade de aprimoramento genético e de padronização, era alguns dos caminhos que sabíamos que teríamos pela frente.
Brangus Repórter : 31 anos após a fundação da primeira e única entidade oficial da raça Brangus no Brasil. Hoje, qual a sua definição para a raça em nosso país?
Caldas: Ao longo dos anos, a raça passou por um processo de melhoramento genético muito eficiente. O Brangus no Brasil já é uma realidade. A qualidade genética do Brangus brasileiro começa a despertar o interesse de outros países inclusive. Isto demonstra que estivemos e estamos no caminho certo, além de comprovar a evolução da raça. Logicamente que houve um período de estagnação do mercado quando houve aquela retração do cruzamento industrial, onde naturalmente, muitas raças sofreram com esta situação. Mas o cruzamento voltou e o Brangus está respirando esta nova fase, recuperando rapidamente o seu ritmo de crescimento graças às suas qualidades. O futuro é isto. O pecuarista brasileiro está notando que o Brangus é o animal que traz os benefícios para quem busca uma pecuária de resultados, através da rusticidade e adaptabilidade do zebu aliadas com a eficiência alimentar e reprodutiva do europeu, sem falar da extrema qualidade de carne, considerada um diferencial. Como grande entusiasta da raça, estou muito satisfeito, feliz e otimista com esta realidade.
Nathã Carvalho
Imprensa e Comunicação
Associação Brasileira de Brangus
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