Como o genoma influi na carne
Cada vez mais, novos conhecimentos são necessários para compreender como a genética pode melhorar os sistemas fisiológicos relacionados à produção, crescimento, engorda e reprodução. Identificar e mapear e compreender a função e o controle dos genes permitirá o desenvolvimento de novas tecnologias e a plena expressão do potencial genético dos animais de produção.
O desenvolvimento de mapas genéticos em espécies animais e o uso na identificação de genes economicamente importantes têm sido o objetivo principal na pesquisa genômica em gado de corte. O estudo do DNA ou código genético tem focado na identificação de genes que influenciam na qualidade do produto, tais como o grau de gordura e marmoreio das carcaças e maciez da carne.
A REVOLUÇÃO GENÉTICA - A pesquisa na área da genômica animal ainda está em fase de desenvolvimento. Sua importância tende a aumentar. Apesar de as leis básicas da hereditariedade terem sido postuladas por Mendel há mais de 150 anos, foi somente a partir da descoberta da dupla hélice de DNA, por Watson e Crick, em 1953, que o funcionamento e a relação entre os genes começaram a ser explorados.
O genoma dos mamíferos tem aproximadamente 80.000 genes que se encontram nos cromossomos, dentro do núcleo celular. Os fenótipos - características que conseguimos visualizar - podem ser determinados por apenas um gene ou por vários deles. Em ambos os casos, os fatores ambientais influenciam.
A pesquisa na área da genômica teve um impacto significativo quando os Estados Unidos decidiram implementar o Projeto Genoma Humano, em 1990. Na Medicina e na Veterinária, o conhecimento sobre como os genes contribuem para a formação de doenças que envolvem um fator genético - como o câncer, por exemplo - levará a uma mudança da prática médica. Ênfase será dada à prevenção da doença, em vez do tratamento do doente.
Na produção animal EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia anunciaram, em outubro de 2004, o primeiro rascunho do genoma bovino, através do Projeto de Seqüenciamento do Genoma Bovino. Este foi o passo inicial de um projeto público internacional para seqüenciar o patrimônio genético de várias raças. Um projeto semelhante, mas em menor escala, usando o Nelore, foi lançado em 2003 no Brasil. O projeto Genoma Funcional do Boi foi financiado pela Fapesp, em parceria com a Central Bela Vista Genética Bovina, núcleos de pesquisa e universidades.
Outro programa nacional foi desenvolvido pela Embrapa Gado de Leite em colaboração com o Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos. As possibilidades de aplicação dos resultados são imensas e os objetivos são definir os genes responsáveis pela resistência aos animais, reduzindo doenças e a necessidade de usar medicamentos e antibióticos.
A PESQUISA GENÔMICA MUNDIAL - Em todo o mundo muitos projetos na área da genômica vêm sendo desenvolvidos.
Nos EUA, o projeto denominado National Carcass Merit Project envolveu a avaliação de 11.000 carcaças, originadas da progênie de 300 touros de 15 raças diferentes. O projeto, financiado com recursos da própria cadeia da carne (check-off, pago pelos produtores) envolveu não apenas a identificação de dados de carcaça, tais como maciez, marmoreio e área de olho de lombo, mas também a validação de 11 marcadores moleculares identificados em pesquisas prévias. Os resultados auxiliaram na determinação dos efeitos desses marcadores nas características de carcaça.
As informações obtidas estão sendo divulgadas através das associações de raça. O objetivo principal do trabalho foi identificar quais reprodutores tinham quais marcadores para características de carcaça, adicionando essa informação à DEP dos touros.
Na Austrália, o Beef CRC (Cooperative Research Center), criado em 1993, é um grande exemplo de como o governo, a indústria privada, os produtores e a academia podem interagir na busca de resultados concretos e efetivos. A pesquisa é gerada a partir da necessidade dos integrantes da cadeia, o que facilita o desenvolvimento e a implementação.
Entre os principais projetos, destaca-se o de melhoria genética das carcaças, da qualidade da carne e da eficiência na conversão alimentar. Dois testes de progênie foram realizados, abrangendo as sete raças ou compostos mais usados na Austrália. Cruzamentos terminais de touros com 20.000 vacas (com dados de pedigree) resultaram em uma progênie de 12.000 animais destinados ao abate. Herdabilidades e correlações genéticas foram avaliadas, assim como foi criado um modelo para cruzamentos ou raças puras, visando à melhoria dos índices de marmoreio, maciez, coloração da carne, palatabilidade, rendimento dos cortes de varejo e aumento da eficiência líquida alimentar. Através dos testes de progênie realizados pelo Beef CRC, dados genéticos (Estimated Breeding Values, ou EBVs) de 600 touros ficaram disponíveis aos produtores australianos através das associações de raça e do programa Breedplan, possibilitando grandes avanços em produtividade graças à melhoria genética.
O projeto de desenvolvimento da genética molecular e marcadores genéticos aplicados à produção pecuária visou à identificação de genes associados à coloração da carne, coloração da gordura, marmoreio, maciez e eficiência alimentar. O lançamento comercial de testes de DNA pela empresa Genetics Solutions comprova o interesse em aplicar tais descobertas de maneira prática.
A Merial, tradicionalmente associada a medicamentos e vacinas, tem também uma linha de pesquisas na área da genômica, desenvolvida através do seu braço Igenity. A empresa patenteou o teste TenderGene, que auxilia na identificação da qualidade da carne através de um marcador genético para pi-calpaína, que é associada com o aumento de maciez pelo U.S. Meat Animal Research Center. Esse gene produz enzima que enfraquece as fibras musculares, aumentando a maciez durante o processo post-mortem. O teste complementa o anterior, chamado "Igenity-L", responsável pela identificação do genótipo da leptina do animal a partir de amostras de DNA. A leptina é a proteína associada ao balanço energético e escore de marmoreio em gado de corte.
O National Food Center de Dublin, Irlanda, tem também pesquisas na área da genômica, proteômica (que é um conjunto de tecnologias aplicadas no estudo simultâneo do conteúdo protéico dos sistemas biológicos) e biofísica, aplicadas na tecnologia de carnes.
NA CADEIA PRODUTIVA - Na fazenda, os cuidados básicos com sanidade, nutrição e manejo continuarão sendo indispensáveis, sendo que a genômica será mais uma (importante) ferramenta de seleção. Na indústria, técnicas como suspensão da carcaça pelo quadril, maturação e estimulação elétrica contribuem de forma decisiva na avaliação final da qualidade da carne bovina. A genômica, porém, poderá auxiliar em muito no direcionamento de determinado tipo animal para mercados específicos, aumentando a eficiência e a lucratividade do sistema.
Sem dúvida, a tecnologia da genômica em gado de corte não prevê a substituição dos métodos tradicionais de cruzamento e seleção, mas sim uma complementaridade aos mesmos. Esse tipo de tecnologia tem o poder de auxiliar na identificação das variabilidades, e permitir que se transformem em vantagens e eficiência.
Por Márcia Dutra de Barcellos/ Doutora em mercado consumidor e Médica Veterinária / doutoranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Fonte: DBO