Didi Castagna: Com os “Olhos de Lince”
A expressão acima geralmente é atribuída para aquelas pessoas que possuem vista bastante aguçada. Assim como o felino de ordem carnívora, conhecido pelo olhar certeiro que tem, na verdade quem também é muito famoso por sua visão formidável e penetrante, é Linceu, um argonauta e herói da mitologia grega. Seja pelo felino ou herói, o ditado serve muito bem para destacar José Ivelto Castagna, o “Didi”, médico veterinário conhecido no mundo branguista por sua experiência em selecionar animais com um olhar bastante criterioso e certeiro. Em entrevista concedida ao Jornal Brangus Repórter edição Nº 3, ele nos conta alguns capítulos de sua história ao lado do Brangus e revela como descobriu o touro “Mr. Ideal”, reprodutor que contribuiu bastante para o melhoramento genético da raça no Brasil. Como coordenador técnico ele explica também, como foi desenvolvida a seleção de um dos mais reconhecidos plantéis brasileiros.
Brangus Repórter: Como começou o seu envolvimento com a raça Brangus?
José Ivelto Castagna (Didi): Minha família cultivava arroz e depois passou a trabalhar com pecuária em Uruguaiana, onde foi desenvolvido um plantel de Brangus desde 1977. Além deste envolvimento, que me proporcionou uma boa bagagem com esta raça, tive a oportunidade de elaborar um projeto de Brangus para uma cabanha de São Borja/RS. Pude aprender muito também, com Neco Tellechea, Flávio Tellechea e a Dona Lila, pessoas que convivi no período de 1988 e 1992 quando trabalhei na área técnica da Cabanha Paineiras em Uruguaiana. Alguns anos depois, passei a desenvolver um trabalho com a raça na Brangus Brasil.
Brangus Repórter: Conte-nos de que forma você chegou à Brangus Brasil e como iniciou o trabalho de criação e seleção da raça deste criatório.
Didi: Por volta de 1998, o Dr. Washington Cinel, (empresário paulista), resolveu investir em pecuária. Embora eu ainda não o conhecesse, ele chegou á conclusão de que gostaria de iniciar uma criação de Brangus, por conta de suas positivas características. Em agosto do mesmo ano, ele decidiu vir até Uruguaiana, para adquirir touros Brangus visando realizar cruzamentos com vacas Nelore em uma grande propriedade que ele tinha no Xingu, no Mato Grosso. Tempo depois, ele decidiu vender a fazenda no Xingu e então adquiriu a Fazenda Sobrado, em São Manoel/SP. Lá ele optou por selecionar Brangus, priorizando desde o início, por animais de pelagem vermelha (Red Brangus). Por meio de contatos com amigos nossos em comum, ele me procurou, solicitando um projeto e que esse projeto, buscasse como objetivo dele, um trabalho que se tornasse referência no mundo do Brangus. Com base nisso, Iniciamos a trabalhar e assim como cada seleção possui o seu padrão, uma das nossas metas era criar o padrão Brangus Brasil. Para fazer este Brangus da Brangus Brasil, decidimos iniciar do zero. Logicamente, que em São Manoel/SP, tínhamos a necessidade de ter um volume de vacas para iniciar a formação do plantel. Assim, adquirimos matrizes de vários criadores, principalmente, oriundas das seleções de João Francisco Tellechea e da Junco Agricultura e Pecuária e em menor número de outros criatórios. Ao se fixar um bom volume de fêmeas Brangus 38 em São Manoel/SP, no Rio Grande do Sul partimos em busca do objetivo de fazer o Brangus desde a primeira etapa, quando na época adquirimos duas mil vacas Angus para iniciar a formação de um Brangus de qualidade, já que um gado que estava adaptado naquele ambiente produziria melhor e com menores custos. Depois, fomos até os Estados Unidos, onde conseguimos sêmen de touros Brangus ¾ Brahman vermelho, touros estes que foram importantes na formação do Red Brangus americano. Adquirimos todo o estoque de sêmen destes reprodutores. A partir daí iniciamos a realizar inseminação artificial, visando formar uma boa base de Brangus 3/8 de primeira geração, partindo de sangue Brahman vermelho (touros ¾) com estas vacas Angus que havíamos adquirido. Nos Estados Unidos, também fizemos a aquisição de um lote de vinte matrizes pertencentes a um grupo das cem melhores vacas Brangus vermelhas do país, entre elas, a Bi-grande campeã de San Antonio (Texas), “Cox Excalibur 745J”. Esse lote nos rendeu produtos muito bons, como o touro “Mr. Brasil”, nosso primeiro animal nascido nos Estados Unidos, fruto do acasalamento da matriz “Miss High Star 594” que fazia parte do seleto grupo de fêmeas adquiridas, com o reprodutor “Top Line”. Ainda em terras norte americanas, estas vacas, foram para uma central, onde iniciamos um programa de transferência de embriões que posteriormente, vieram para o Brasil.
Brangus Repórter: Através deste trabalho com a Brangus Brasil, você teve a oportunidade de visitar importantes criatórios americanos da raça. Estas andanças se refletiram de que forma no Brangus brasileiro e na seleção de vocês?
Didi: O Brangus vermelho no Brasil, naquela época, estava muito concentrado geneticamente em um touro argentino, chamado “Ouro Vermelho”, que estava sendo utilizado em nosso país desde meados de 1991. Então era objetivo nosso, procurar outras opções de genética. Recorri várias cabanhas americanas de Red Brangus, buscando material genético de um touro 3/8 vermelho, até que cheguei a um criatório no Sul do Texas e encontrei um animal chamado “Mr. Ideal”. Na época, ele era considerado um animal pequeno para os padrões americanos, sendo muito pouco utilizado nos acasalamentos. Inclusive este reprodutor, não foi levado em nenhuma exposição, justamente por não atender os padrões considerados ideais por eles. No entanto, era exatamente o touro que eu buscava, dentro das características que eu preconizava. Era um animal de tamanho médio, profundo, com boa estrutura óssea, bom temperamento e com uma conformação frigorífica muito interessante, ideal para produzir touros destinados à produção de bezerros de corte. Adquirimos este reprodutor, que além de suas características de conformação, tinha uma consistência genética bastante interessante, sendo irmão inteiro de um Bi-grande campeão de Houston, chamado “Magnum”, que foi exportado para o México, e irmão materno de “Bily”, grande campeão de Houston em 1999. Porém, os irmãos dele eram grandes, fora do tipo que gostaríamos de produzir no Brasil. Utilizamos o sêmen de “Mr. Ideal” em larga escala, que resultou na formação de uma base de fêmeas muito boa. Na minha opinião, este touro foi o mais importante para a construção da nossa base genética. Ele também teve resultados positivos na seleção de outros criadores, inclusive produzindo grandes campeões da Expointer, como é o caso do touro “Minister” da Cabanha Juquiry. O “Mr. Ideal” contribuiu muito para o nosso Brangus e para o Brangus brasileiro como um todo, ao atribuir muita estrutura óssea, couro solto e profundidade, dentro daquele perfil frigorífico que buscávamos. Assim como o “Mr. Brasil”, que podemos ter como exemplo, resultados positivos dos filhos dele nas avaliações de área de olho de lombo (AOL). Em todas as nossas gerações, os filhos deste reprodutor, sempre foram “Top” nestas avaliações feitas pela Unesp e que, na raça Brangus, a Brangus Brasil foi pioneira, assim como as medições de espessura de gordura subcutânea (EGS) e traços de marmoreio na picanha. Características estas, que foram aprimoradas através desta genética.
Brangus Repórter: Poderíamos dizer então, que a genética americana foi determinante para a seleção Brangus Brasil?
Didi: A Base era no Rio Grande do Sul, onde estava o gado de campo. O “Show room” ficava em São Manoel/SP e o tempero para essa comida toda foi Americano. Das matrizes, metade delas veio para a Fazenda Sobrado, onde permaneceram produzindo embriões e deixando descendentes desta genética em nosso rebanho. O “Mr. Brasil”, por exemplo, veio para o nosso país aos dois anos de idade e foi para uma central de sêmen. Esta genética com certeza foi muito importante.
Brangus Repórter: Quais são os seus principais critérios utilizados na seleção, para a identificação de animais superiores?
Didi: Geralmente, temos em mente aquele animal ideal, no qual buscamos sempre atingir aquele padrão. Por exemplo, no caso de um reprodutor, a primeira característica que devemos observar é a circunferência escrotal. Na Brangus Brasil, sempre primamos por touros com perímetro escrotal grande, precoces, de umbigo médio e de estilo frigorífico. Nas fêmeas, temos que buscar vacas femininas, de couro solto, bem aprumadas e também de umbigo médio. No Brangus, não primo muito pela idéia de animais com umbigo curto, pois na minha convicção criar Brangus, é conviver com “couro solto”. Nesse sentido esse fator se reflete na balança.
Brangus Repórter: Qual a sua definição para a raça Brangus no Brasil e o seu papel na pecuária Brasileira?
Didi: O mundo inteiro hoje, fala de carne de qualidade. Hoje por exemplo, uma das melhores carnes do mundo, é a da Argentina. Segundo estatísticas daquele país, ao redor de 80% da carne lá produzida, é proveniente de animais Angus e suas cruzas. No Brasil, por questões de adaptabilidade, a maneira mais eficiente de levar esta característica para os maiores pólos de produção no centro do país, é através do Brangus. Na minha visão, quando se faz um projeto de qualidade de carne, o Brangus é a ferramenta certa para isto.
Post: Imprensa e Comunicação
Associação Brasileira de Brangus
Nathã Carvalho