Prosa para quem ainda não confina
Por Roberto Maciel, inspetor técnico da Associação Brasileira de Brangus
O assunto confinamento está sendo bastante explorado nos últimos anos e certamente desperta interesse crescente naqueles ligados ao meio rural. Para começar, é bom lembrar os princípios que fundamentaram o confinamento no Brasil: terminação no período da entressafra, capitalizando a então valorização garantida da arroba (o raciocínio era lucrar na valorização das arrobas de entrada no confinamento e pelo menos empatar nas arrobas ganhas no cocho, com custo muito maior que aquelas do pasto); aliviar a lotação da propriedade no período desfavorável (seca) para os pastos; reduzir a idade de abate (logo com o foco no boi de 24 meses); produzir uma carcaça “bem terminada”, com a cobertura de gordura apreciada e valorizada pela indústria (principalmente em animais não castrados e jovens); utilizar dietas com 50% de volumosos e 50% de concentrados de baixo custo; apenas uma boiada passava pelo confinamento no ano. Pelo menos foi assim que conheci a atividade e nela me iniciei.
Entramos no século 21 e alguns princípios foram revistos. Dietas com mais grãos, ciclos de terminação mais curtos (possibilitando pelo menos dois “giros” de bois no cocho), consolidação de preços de venda antes do início do confinamento. Agora, os confinadores tem associação organizada e atuante, empresas de consultoria promovem encontros e mais encontros em diversas cidades e estados, trazendo informações e previsões sobre as safras (pecuária e de grãos de interesse) que estão por vir. O público cresce, junto com toda a cadeia paralela de fornecedores de tecnologias e produtos.
O aumento de 1.000% no número de animais confinados em todo o Brasil, de 2002 (400 mil) até 2012 (estimados 4 milhões), não me deixa mentir. Imagine ainda a seguinte situação: confinamos apenas 10% dos nossos animais abatidos por ano, enquanto nos EUA são 90% e na Austrália 60%. Um potencial extraordinário para quem possui um rebanho de mais de 200 milhões de cabeças. Outro fator inexorável é a substituição de áreas de pecuária pela agricultura. Como a atividade de cria (o gargalo da pecuária) tem que ser extensiva (fator econômico), nada mais esperado do que a drástica redução da recria/engorda a pasto.
Andei lendo que dos 220 milhões de hectares ocupados pela pecuária no nosso Brasil, 70 milhões servirão até 2030 para alimentar chineses, árabes, indianos e até brasileiros. Um belo desafio para o necessário aumento da produção pecuária, com a redução de praticamente um terço da área utilizada. É o confinamento crescendo com força. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo são os estados que lideram, nesta ordem, o crescimento da atividade.
O perfil do confinamento e do con- finador está rapidamente se moldando à nova economia mundial (questão de vida ou morte). Duas palavras “proceis” não esquecerem:escalaegestão.Sema primeira, as pequenas margens médias inviabilizam a atividade. Sem a segunda, os riscos impostos pela primeira tornam os erros terrivelmente fatais. Não dá mais para “fechar uns boizinhos para engordar”. A boa gestão da coisa exige muito do executivo. As instalações currais de confinamento e mane- jo, ruas, pátios de veículos, depósitos e fábrica de ração, reservatórios de água etc. e tal - devem ser planejadas com muito conhecimento e funcionalidade. Os controles financeiros e estratégias de aquisição da “bóia” e da venda da boiada são a chave do negócio. Apesar do maior custo da atividade ser a compra do boi magro, as maiores variações de valores acontecem na definição da dieta e na compra/estocagem dos volumosos e concentrados, bem como na estratégia de venda dos animais. As planilhas tem que apontar com total segurança os custos finais da arroba produzida e o mercado futuro tem que oferecer possibilidades de venda ou opções de venda, que garantam lucro na operação. Boiadas “diferenciadas”, com o selo da raça Brangus e certificações para o mercado europeu, entre outras, também potencializam as margens de lucro. O gestor terá a sua disposição desde ferramentas de gerenciamento que pré-determinam a capacidade de engorda de cada animal, a conversão da dieta realmente ingerida em peso de carcaça, o controle de perdas de ração (fundamental), bem como equipamentos que garantem a alimentação milimetricamente balanceada e homo- geneizada antes de chegar ao cocho. Os confinamentos modernos trabalham com o controle de cada indivíduo, da- tas e períodos pré-estabelecidos e dietas adequadas a cada fase de permanência do animal no cocho. Programas associados às medições feitas com ultrassom determinam tudo isso. Acabou a moleza para quem não engorda!
É preciso também ficar atento para outros fatores. As práticas do bem- -estar animal e os controles sanitários são fundamentais quando pensamos em concentrar milhares de animais em um espaço bastante reduzido (lembre-se de uma daquelas palavrinhas, a tal escala, que determina confinamentos com capacidade estática nesta ordem de milhares). Sou particularmente fã dos currais chamados anti-stress e de pessoal consciente e bem treinado, que conheça, entenda e ame os animais.
Planejar com inteligência e res- peito ao ambiente e bem utilizar anualmente os resíduos do confinamento, como esterco e sobras alimentares, devem, necessariamente, fazer parte do planejamento da atividade. Proble- mas respiratórios, podridão dos cascos e sodomia são os principais problemas observados em animais confinados e que requerem grande atenção a fim de se evitar prejuízos significativos.
Está achando tudo muito complexo e trabalhoso? Fique tranquilo, o avançado modelo americano nos mostra grandes confinamentos profissionais prestando serviço para engorda de bois de terceiros. No Brasil, os três maiores frigoríficos, entre outros, já trabalham com confinamentos próprios, oferecen- do também serviços e parcerias de engorda para os pecuaristas que optaram por não investir na atividade. Este é o principal motivo para a mudança do paradigma de preços maiores na entressafra e, consequentemente, de toda cadeia produtora do boi gordo. é a indústria interferindo e regulando a oferta de boi gordo nos períodos críticos e coibindo altas sazonais nos preços da arroba.
Pois é, meus amigos, a prosa “tá” boa, mas depois dessa tenho muito serviço me esperando no campo. Quem sabe voltamos no assunto em uma próxima. “Inté”.