Estresse animal e qualidade da carne

O zootecnista Mateus Paranhos, considerado um dos principais estudiosos em bem-estar animal no Brasil trabalha na fazenda experimental da Unesp - Universidade Estadual Paulista - em Jaboticaval, São Paulo. Ele orienta um grupo de estudos e pesquisas em etologia, a ciência do comportamento animal, chamado Etco.

Os alunos do curso de zooctenia, que fazem parte do grupo, ajudam no manejo dos animais. Em vez da vara que cutuca os animais, ou mesmo o chicote, eles usam bandeiras.

“As bandeiras têm o propósito de orientar os animais e também te dá segurança, porque ela é um prolongamento do seu braço. Elas têm um metro e meio, então pra quem trabalha na área externa do curral, é bom porque conseguimos nos aproximar com a bandeira sem se expor a um coice, a um movimento brusco do animal. Então ela tem a finalidade de orientar os animais, cercar e também de fazer isso de forma segura, sem riscos”, explica Mateus.

O professor mostra o que ele chama de curral ideal: eficiente e feito com materiais mais baratos. O corredor de entrada do brete, que Mateus chama de seringa, tem um formato diferente. “A seringa em semi-círculo auxilia nas situações em que o animal fica relutante em entrar. Pra não usar agressão, você reduz o espaço. Não é pra empurrar com a porteira, é simplesmente para reduzir o espaço", explica.

 

Mateus ressalta que outro elemento importante é o material usado. “O curral tem uma combinação de cercas de madeira com tábuas intercaladas, que é o sistema mais comum no Brasil, mas recomendamos que toda área de manejo intensivo seja fechada. Por isso, entre as madeiras usamos o bambu”, comenta.

O curral com capacidade para até 100 cabeças custou 17 mil reais. Os currais tradicionais podem custar quatro vezes mais. O professor dá algumas indicações para quem quer manter um curral antigo.

 

“Tem duas adaptações importantes. Para que o gado não passe o dia todo pisoteando, defecando e urinando no curral, ou seja, prejudicando esta estrutura, fazemos com que os animais só entrem no curral apenas durante o trabalho. A espera, tanto na entrada como na saída, é feita nas estruturas que ficam do lado de fora do curral, que são piquetes anexos a ele. A outra adaptação diz respeito à seringa, que foi toda fechada, e seu tamanho foi reduzido, de forma que a pessoa possa trabalhar do lado de fora”, explica.

 

A Fazenda São Marcelo cria sete mil animais em seis mil e quinhentos hectares e fica em Tangará da Serra, a 240 quilômetros de Cuiabá. Desde 2009 implantou o programa de bem-estar animal e já foi até certificada por adotar práticas que não machuquem os animais.

 

José Bento, que trabalha há anos na fazenda teve que mudar os métodos de trabalho. “No começo achei ruim, porque não pode bater, mas hoje a gente se controla”, diz.

 

Os trabalhadores da fazenda que receberam treinamento da equipe do professor Mateus Paranhos, do grupo Etco, também conduzem os animais com as bandeiras. Uma das exigências do protocolo de bem-estar é que o gado criado em pasto não deve ter que caminhar longas distâncias para encontrar água. Na fazenda cada piquete tem uma represa, mas os rios e córregos são sempre protegidos.

 

“As nossas reservas são todas cercadas, por conta da preocupação com a reserva ambiental. As áreas de córrego, rio e nascentes são cercadas. Temos represas pra ter acesso à água”, explica Rafael Pereira, um dos gerentes da fazenda.

 

O pasto também precisa oferecer sombra para os animais e cochos com sal mineral. Enquanto alguns uns bois descansam, os vaqueiros fazem o chamado rodeio, que é a checagem das condições dos animais transferidos.

 

O capataz Edmar Dantas explica que eles só conseguem ver se há algum animal doente ou machucado por causa da divisão em lotes menores, mais uma dica do manejo de bem estar. “Era diferente, estava sempre estressado e trabalhava na correria com o gado. Agora mudou 100% o manejo”, diz.

 

“A gente achava que era frescura, mas depois que começamos a trabalhar, vimos que a gente estava errado", comenta Reginaldo Bonifácio de Oliveira, capataz.

 

A lida gentil continua quando os animais têm que ir para o curral. Foram feitas adaptações no brete para facilitar o manejo e não assustar os animais.

 

Antonio Furlaneto é gerente geral da fazenda São Marcelo, que é de um grupo econômico que tem outras propriedades no Brasil. Ele explica que o estresse também faz com que os animais percam peso. “Principalmente quando o animal passa por uma vacinação, ele chega a perder quatro a cinco quilos”.

Os efeitos do stress na carne estão sendo estudados na Universidade de Campinas, a Unicamp. O trabalho é coordenado pelo veterinário e pesquisador Pedro Eduardo de Felício. Na faculdade de Engenharia de Alimentos, os pesquisadores fazem teste de qualidade da carne.

 

Os pesquisadores levam um bife para forno e só retiram a uma temperatura de 180 graus. Depois de frio, é fatiado para medir o ph, ou seja, a acidez da carne. Quando o animal sofre muito stress, o ph se mantém alto e a carne fica escura, dura e seca.

“O animal que se estressa no curral, ou no embarque num caminhão, alguém cutuca com choque elétrico ou grita, ele descarrega adrenalina e com isso ele gasta toda a reserva energética da musculatura. A carne de um animal estressado estraga mais rápido, justamente porque ela perde a acidez necessária”, declara o coordenador.

 

O professor Felício explicou que não conhece nenhum estudo que comprove se a carne de um animal estressado pode fazer mal para quem come. Mas se preocupar com o bem-estar dos animais é vantajoso para toda a cadeia produtiva. “O Brasil é o maior exportador e tem as maiores empresas frigoríficas do mundo. Nós precisamos cuidar desse aspecto, porque isso pesa muito no mercado internacional”, avalia.

 

Quem estiver de olho no mercado internacional, vai ter mesmo que pensar nisso. A partir de 2012, a União Européia, por exemplo, vai criar barreiras para os produtores que não respeitarem as regras de bem-estar animal. Já existem até selos de qualidade que comprovam as boas práticas.

 

Na fazenda São Marcelo, em Mato Grosso, citada no início da reportagem, todo o plantel de bovinos assim como o de suínos, que também são criados na fazenda, tem o selo Certified Humane Brasil e segue os padrões de uma fundação americana, que tem como objetivo melhorar o bem estar de animais de fazendas e granjas no mundo todo.

 

Atualmente, existem mais de vinte milhões de animais certificados por essa organização, principalmente nos Estados Unidos. Quem concede o selo no Brasil é a Ecocert Brasil.

 

Juntando gado de corte e suínos, são quase 200 normas que a propriedade deve cumprir para garantir o selo. Durante uma vistoria na fazenda São Marcelo, a veterinária Rosangela Poletto, PhD em comportamento e bem-estar animal por uma universidade americana, é quem faz a inspeção.

 

Ela explica que as normas são definidas por um comitê científico, composto por membros internacionais. Depois de morar dez anos nos Estados Unidos, Rosangela está de volta ao Brasil e, como auditora da Ecocert, faz um alerta: “As pessoas vão ter que se conscientizar nos próximos anos, que algumas formas de manejo vão ter que se adequar a essa questão do bem-estar, para podermos nos manter nesse mercado externo. Todo mundo tem a ganhar”, afirma.

 

Seu Antônio, gerente geral da fazenda, já identifica alguns resultados práticos. O tempo de engorda, segudo ele, ja diminuiu e a qualidade da carne premite melhor negociação com os frigoríficos. “O consumidor teria que entender melhor o que é um animal que a gente cria nesse estilo, de um tradicional. Eu acho que seria um grande nicho do mercado quando a população entender o que é trabalhar com bem-estar animal”, afirma.

FONTE: G1 / GLOBO RURAL

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